Pular para o conteúdo principal

Os olhos são as janelas do corpo (ou da alma)

Diz a sabedoria: "Os olhos são as janelas do corpo. Se vocês abrirem bem os olhos, com admiração e fé, seu corpo se encherá de luz. Se viverem com olhos cheios de cobiça e desconfiança, seu corpo será um celeiro cheio de grãos mofados. Se fecharem as cortinas dessas janelas, sua vida será uma escuridão."

Eu adaptaria para os olhos são as janelas da alma.

Por mais óbvio seja, parece que recorrentemente é necessário dizer o quanto nós julgamos as pessoas por aquilo que somos capazes de fazer. E quase sempre isso dista, anos luz, do que elas realmente estão fazendo ou considerando fazer.

Então, em um processo de rupturas, por exemplo, se nós somos do tipo agressivo e violento que atua para enxotar as pessoas dos espaços e fazer os mais ardilosos arranjos de modo nos garantirmos em estruturas de micro-poder, é assim que lemos as outras pessoas e começamos a desenvolver pensamentos e medidas conspiratórias em lugares que somente nós encontramos os males imaginados. E eles se fazem reais. É porque, no fundo, é isso que são, reais dentro de nós.

Olhos malignos apenas veem malignidade no seu interlocutor.

Olhos violentos não conseguem enxergar outra coisa além da violência, da brutalidade, da morte.

Olhos traiçoeiros guiam todos os passos à escuridão dos pactos, projetando e construindo conspirações e ruínas.

E assim, corpos (ou almas) sucumbem, consumidos por cobiça ou, como diz o dicionário, por desejo ardente, imoderado, pela avidez de possuir coisas, poderes, pessoas.

Os dias viram tormenta na alma de quem só desconfia. E uma pessoa atormentada não consegue refletir, sua inteligência - se ainda permanece - toma rumo da produção e reprodução da tormenta a todos que alcança.

"Se viverem com olhos cheios de cobiça e desconfiança, seu corpo será um celeiro cheio de grãos mofados."

Grãos mofados são domínio de micro-organismos e insetos e modificam a matéria-prima que originalmente eram, tornam-se manchados, perdem coloração, tem odor alterado, produzem toxinas, perdem a capacidade germinativa e não dão mais vigor às sementes.

O bolor do mofo pode causar muitos problemas e complicações crônicas, até mesmo câncer.

Na área da saúde dos alimentos diz-se que quando vemos o bolor signifca que o mofo está tão enraizado que já se tornou capaz de corromper o que toca.

Se em casa precisamos fazer o exercício de verificar a conservação e proteção de alimentos, se cuidamos da umidade para que coisas não se estraguem, por que não nos aplicarmos também a examinar a qualidade das nossas emoções, o cristalino dos nossos olhos a fim de não desenvolvermos visão embolorada, alma manchada por pensamentos sujos que se prestam à destruição e à promoção de mortes simbólicos e mesmo de corpos?

Qual o sentido de uma vida regida pela escuridão da mente?

Provavelmente é só vagar perdido, vertigem, tropeço da desumanidade, da incapacidade de pensar que a gente é gente quando se faz comunidade de pensamentos postos à evolução, geração após geração para enxergarmos vida no que fazemos e nos tornamos, e para dominarmos nossos instintos cobiçosos, para promover o bem e não a morte.

Oxalá a janela da nossa alma esteja aberta à luz e nos façamos capazes de enxergar nossos passos e corrigi-los antes que os grãos dos nossos celeiros apodreçam mofados.

Oxalá tenhamos olhos e almas leves, celeiros de vida e paz, que nos guiem a sonhos comuns.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Democracia e representatividade: por que a anistia aos partidos políticos é um retrocesso

Tramita a passos largos na Câmara dos Deputados, e só não foi provado hoje (2/maio) porque teve pedido de vistas, a PEC que prevê anistia aos partidos políticos por propaganda abusiva e irregularidades na distribuição do fundo eleitoral para mulheres e negros. E na ânsia pelo perdão do não cumprimento da lei, abraçam-se direita e esquerda, conservadores e progressistas. No Brasil, ainda que mulheres sejam mais que 52% da população, a sub-representação feminina na política institucional é a regra. São apenas 77 deputadas entre os 513 parlamentares (cerca de 15%). E no Senado, as mulheres ocupam apenas 13 das 81 cadeiras, correspondendo a 16% de representação. Levantamentos realizados pela Gênero e Número dão conta que apenas 12,6% das cadeiras nos executivos estaduais são ocupadas por mulheres. E nas assembleias legislativas e distrital esse percentual é de 16,4%. Quando avançamos para o recorte de raça, embora tenhamos percentual de eleitos um pouco mais elevado no nível federal, a ime...

Narrativas. Vida. Caos. Desesperança.

  Quando eu era pastora repetia com muita frequência, aos membros da igreja, sobre a necessidade de submeterem o que ouviam de mim ao crivo do Evangelho, aprendi isso com o bispo Douglas e com o Paulo, o apóstolo rabugento (e por vezes preconceituoso), mas também zeloso com a missão cristã assumida. Outra coisa que eu repetia era que as pessoas só conseguiriam se desenvolver se exercitassem a capacidade de pensar. Nunca acreditei num Deus que aprecia obediência cega, seres incapazes de fazer perguntas. E cada vez mais falo a Deus que se ele não conseguir se relacionar com as minhas dúvidas, meus questionamentos, as tensões do meus dilemas e mesmo cada um dos incontáveis momentos em que duvido até dele, então ele não é Deus. Será apenas um pequeno fantasma das minhas invencionices mentais, portanto, irreal. E por que isso aqui da gaveta das minhas convicções e incertezas? Assim? A nossa História é basicamente um amontoado de narrativas. Ora elas nos embalam na noite escura e fria. O...

Reforma?

Daqui 11 dias celebraremos 505 anos da reforma protestante.  Naquele 31 de outubro de 1517 dava-se início ao movimento reformista, que dentre seus legados está a separação de Estado e Igreja. É legado da reforma também o ensino sobre o sacerdócio de todos os santos, na busca por resgatar alguns princípios basilares da fé cristã, que se tinham perdido na promíscua relação do poder religioso com o poder político. E, co mo basicamente todo movimento humano de ruptura, a reforma tem muitas motivações e violência de natureza variada. No fim, sim, a reforma tem sido muito positiva social, política, economicamente e nos conferiu uma necessária liberdade de culto.  Mas, nós cristãos protestantes/evangélicos, teremos o que celebrar dia 31?  Restará em nossas memórias algum registro dos legados da reforma? Quando a igreja coloca de lado seu papel de comunidade de fé, que acolhe e cura pessoas e passa a disputar o poder temporal, misturar-se à autoridade institucional da política, e...