Quando eu era pastora repetia com muita frequência, aos membros da igreja, sobre a necessidade de submeterem o que ouviam de mim ao crivo do Evangelho, aprendi isso com o bispo Douglas e com o Paulo, o apóstolo rabugento (e por vezes preconceituoso), mas também zeloso com a missão cristã assumida.
Outra coisa que eu repetia era que as pessoas só conseguiriam se desenvolver se exercitassem a capacidade de pensar.
Nunca acreditei num Deus que aprecia obediência cega, seres incapazes de fazer perguntas.
E cada vez mais falo a Deus que se ele não conseguir se relacionar com as minhas dúvidas, meus questionamentos, as tensões do meus dilemas e mesmo cada um dos incontáveis momentos em que duvido até dele, então ele não é Deus. Será apenas um pequeno fantasma das minhas invencionices mentais, portanto, irreal.
E por que isso aqui da gaveta das minhas convicções e incertezas? Assim?
A nossa História é basicamente um amontoado de narrativas.
Ora elas nos embalam na noite escura e fria. Ora nos enxotam ao mais profundo abismo da nossa própria alma.
Noutro momento elas nos despertam tal qual um poder sobrenatural para que nos conectemos aos múltiplos sentidos de ser.
E assim vamos, dia após dia, guiados e guiando caminhos e existências a partir de narrativas. E se não aprendermos a submetê-las ao crivo da nossa consciência, antes que uma história ou estória chegue ao final do seu primeiro parágrafo, já estaremos descaracterizados, já nos teremos perdido de nós, fantasmas guiados por sopros, superficiais, vazios, manipulados.
E qual o sentido de uma existência que não se percebe, não se sabe, não se exercita indivíduo e ser coletivo, que não se perde de si, mas se integra porque respeita a si e ao outro ao qual se dispõe integrar?
Se para ser parte você se nega, que parte você se torna se não descarte?
Integração é soma, o que você coloca no todo comum, se se dilui na submissão tácita, na obediência cega, na negação de sua capacidade crítica, da abdicação da sua emancipação, o que vira?
É assim que narrativas totalitárias varrem a humanidade e a coloca sob escombros, indigna de se dizer gente.
E as narrativas totalitárias, essas que em nossos arroubos libertários condenamos, não se dão do nada, num piscar de olhos ou passe de mágica.
Elas sempre foram e seguem se dando a partir de pequenos coletivos que se curvam a pequenos processos de desconstrução de pessoas, acessos de sabedoria de um - que não são postos sob questionamento - pactos de favores ao preço de subserviência.
Sorrateiro rastro de destruição. Gritos de rebeldia violentamente abafados.
E as narrativas se impõem dizendo que o mais do mesmo é o único caminho.
E se fazem verdade.
E pesa, dói, é violento ir contra isso. Às vezes só resta mesmo é preservar a mente e o coração, a capacidade crítica que nos faz gente, noutro lugar. Ou tornar-se fantasma, perambulando nos esgotos do fracasso existencial antecipado.
É o ciclo. Vida, caos, desesperança narrados em decepções?
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