É hábito comum consagrarmos à esperança um estado de desejo estático, figurativo e preso ao tempo. Esquecemos que a força realizadora é a sua alma e pulso. Talvez, por isso, no esperar apenas, desesperançamos.
A cabeça pesa com medo, ansiosa. Pés imobilizados apenas deslizam nas próprias angústias. Mãos ferem e se ferem. Trêmulas, nada suportam. Coração estufa o peito de dor. E a mente estrangula a alma, e aos gritos impõe a ordem da intolerância, inconstância, inconsequência de existir num vagar escuro do despenhadeiro do destino.
Esperança é ato primeiro, âncora de consciência à alma e que dá alimento aos sonhos e dimensão a um vigor extraordinário, capaz de pô-los em movimento numa jornada em que cada passo conta, fortalece, transforma e aponta o passo seguinte.
É assim que a nossa respiração segue no compasso adequado à vida. É com essa imagem que respondo ao questionamento que me foi feito, tempo desses, sobre como me mantenho uma pessoa esperançosa.
Penso que a imagem do movimento e ação me lembra que esperançamos para algo, um fim comum. Ou simplesmente um para quê.
Certamente não para aterrorizar o mundo com culpa. Nem para negar a força da inteligência, que dá à humanidade capacidade de promover saúde às existências sobre e sob a terra. Não foi para esticarmos as dores humanas por meio de sistemas injustos e que fomentam mortes.
Certamente não para vitaminar a opressão de mulheres e dos diferentes naquilo que apontamos, ainda, a obscura normalidade. Tão pouco é para a desconexão da existência humana com a terra, da qual é parte e cujo cuidado lhe foi confiado. Antes, a premissa elementar é que essa mordomia seja exercida a partir da valorização dos seus mistérios, sua força, suas vozes, suas expressões.
Fico imaginando que a esperança opera esse movimento de despertar da consciência. E se faz como a semeadura.
Nessa imagem, que é conhecimento contínuo e movimento, porque eu esperanço na força da terra, não a contamino. Antes eu aro, eu semeio, eu guardo e aguardo o ciclo da vida. E então, colho, me alimento e dou a outro oportunidade de também se nutrir. E deixo a terra descansar e semeio novamente. Pois quando não respeitamos o ciclo da terra ela deixa de acolher sementes ou, algumas vezes as acolhe no seu ventre, mas gera fruto doente, fraco, incapaz de se reproduzir em vida.
Incompleta, estéril fica. Não é assim a nossa vida em sociedade?
"A esperança traça a linha do horizonte", canta Flavia Wenceslau, e assim, acredito que nos orienta a caminhada. Não é um não saber. A gente vai, ciente das dificuldades, dos choros, até de traições, mas a esperança nos possui e nos movimenta.
Se nós perdemos esperança, então o que faz sentido é a morte, em passos de abandono do que somos, do desprezo aos propósitos comuns, do valor e potência da diversidade, das desnecessidades às pausas. Coração solo pedregoso, talvez seja o final.
Agora, se a esperança nos habita e faz morada serena em nós, a força do acreditar nos movimenta a um para que da vida comunitária que nos torna sublime humanidade e dá sentido a cada ciclo que nos é dado vivenciar.
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