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Da cerca pra fora


Às vezes a gente só precisa sair uns 20 metros da toca para expandir um pouco mais o contato com a vida e suas outras cores.

Quanto me apareceu a casa onde resido atualmente comentei com uma amiga: agora viro ermitã de vez.

Ela respondeu: só se quiser.

Alguém dirá. Nossa, rueira como você é?

Sou nada. Só fake.
Eu gosto mesmo de ficar enfiada em casa. E aí, cara, tô no mundo perfeito.

Tenho Internet banda larga.
O celular não tem sinal.
Tenho verde pra tudo que é lado.
Tenho mais livros do que sou capaz de ler.
Todas as minhas responsabilidades de trabalho podem ser atendidas através dos recursos de que disponho.

Claro que isso vira o melhor dos mundos para pessoa como eu.


Meu aniversário, por exemplo, foi lindo.

No domingo anterior reuni com a família, almocei, brinquei, comi de novo e vim embora.

Lindo.

No dia oficial recebi cesta de café da manhã e na sequência ligação das amigas pra tomarmos café juntas, depois almoçamos juntas.

Poxa, só não foi perfeito porque eu preferia aquele abraço que só elas sabem dar. Nunca vi outros iguais.

Lindo.

Só que é aquilo né?

A gente não pode acomodar nesse tipo de reclusão. O risco é perder tanta beleza ao alcance da mão. Como essas aqui, lado de fora da cerca. Não mais que vinte metros e eu nem estava usufruindo.

Da cerca pra dentro pode até ser mais seguro. Mas da cerca pra fora existe muita vida, muita cor, muitos sabores, muitas conexões possíveis e mais, necessárias que por vezes perdemos por acomodação, medo, preguiça. São tantas as possibilidades limitadoras absolutamente justificáveis a que lançamos mão.

Quando nos damos conta foram-se cinco meses, um ano, uma década, uma vida.

O que fizemos de nós?
Qual a qualidade da nossa existência?

Pó que se perde no ar, sob os escombros do caminho?

Terra que acolhe sementes e gera outras vidas?

O que fizemos de nós?
Qual a qualidade da nossa existência?

Recolher deveria ser para repor energia, repensar rumos, reconectar o interior. Mas muitas vezes vira conforto do não enfrentamento desde uma pequena caminhada até desafios de desconstrução.

Minha casa é abrigo, mas pode virar toca também.

Prefiro dar a ela a estrutura de abrigo que abre e fecha e abre.

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