A gente deixa algo de lado por um tempo e depois acha que basta repor a tinta e tudo estará como antes, funcionando adequadamente, produzindo cores, dando forma e ação às palavras postas na tela, aos panoramas mentais, agora transcritos.
Então, a gente vai lá.
Conecta cabos, instala equipamentos, faz testes de scanner, compra novos cartuchos, faz limpeza superficial, envia impressão teste.
Não funciona.
Falta a limpeza de bicos, os cabeçotes.
Falta calibrar as engrenagens não percebidas à vista superficial e mesmo amadora, ainda que dedicada.
Vão-se horas, como o meu processo pessoal, neste momento. Toda uma manhã.
Por aqui tudo bem. É apenas um equipamento que estava parado, que me pode ser útil para execução de tarefas, que pode esperar uma manutenção. E o mais desagradável que ocorrerá é o veredito de que a limpeza de cabeçotes sairá mais onerosa que comprar novo equipamento. Decisão de compra não essencial.
O real e doloroso mesmo é quando nos atrevemos a considerar processo semelhante às relações humanas.
Nelas as sujeiras podem e, na verdade, como regras geral acontecerão.
Palavras não ditas ou ditas de modo inadequado, mal compreendidas, em momento não-conveniente, apresentadas em parte.
Invisibilisação de pessoas quando nos convém ou por eventual desagrado.
Fato é que pessoas são muito mais complexas que equipamentos, que uma impressora.
A limpeza de cabeçotes mentais, a reposição das cores da alma, o scanner dos olhares, a entrega - ao cabo e afinal - não se dá por um comando.
Se uma impressora pode ter avaliação de descarte por preço muito alto para sua recuperação ou mesmo porque realmente não tem conserto, pessoas não tem descarte porque não são objetos. Não deveriam ter descarte.
E recuperar relações é de uma complexidade muito mais severa e profunda do que algumas horinhas fazendo teste de funcionamentos de uma máquina.
Se da máquina dizemos sobre valer ou não a pena gastar determinado valor para sua recuperação ou nova aquisição, das pessoas as perguntas se dirigem a nós. E são sobre o quanto as relações humanas realmente nos importam, o quanto estamos dispostos a nos dar por elas O quanto estamos dispostos a investir na recuperação das engrenagens e resgate de suas cores. A não ser que a impressão final seja tóxica, tal qual seu processo. E por isso, melhor que os fluxos da existência se deem. A não ser que nossa construção seja utilitarista.
É nessas horas que a gente escolhe deixar para lá, pedir ajuda profissional. Descartar.
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