Ele estava muito cansado, física e emocionalmente.
Os últimos dias, especialmente desde a sua chegada aos arredores de Jerusalém, não estavam nada fáceis.
Não bastasse a dor de ver o sofrimento do povo, a exploração da fé de todos ali, a inabilidade dos discípulos em lidar com a miséria e a violência, ainda lhe pesavam as próprias dores - da responsabilidade, da missão, do que estava por vir, da solidão. E como doía a solidão.
Então ele resolveu abraçá-la, já que nada poderia fazer contra ela. E procurou um jardim, que embora sombrio aquela noite, denso e absolutamente pesado - talvez por antever o que logo aconteceria ali, era um jardim.
Ele tremia e não era de frio. Talvez nem frio cobrisse aquelas regiões por aqueles dias.
Ele estava gelado e sozinho. Ainda que três dos que o acompanhavam fazia três anos, estivessem por ali, mas distantes, essa era verdade, Ele estava sozinho.
As trevas dominaram violentamente aquela noite enquanto Ele gemia. Sozinho.
Os ventos uivaram raivosos e se jogaram com uma força incomum sobre as árvores, que se dobraram sobre Ele e Ele soluçava. Sozinho.
As estrelas e a lua, talvez solidárias ou contaminadas pelo sentimento que cobriu a Terra por completo naqueles dias, numa irrevogável determinação de não se fazerem parte de qualquer daqueles acontecimentos, esconderam-se e Ele se contorcendo de dores agonizava. Sozinho.
Ele somatizava ali, a eternidade de toda a humanidade.
Era o adúltero, o estuprador, o corrupto e o corruptor, o vigário falso e o desonesto pastor, o prostituto, o viciado, o assassino facínora, o marido violento, o explorador, o aliciador de mulheres e crianças e o pior de cada ser humano que se puder supor.
Ele ali também era a criança órfã, o menor abandonado, o menino de sonhos roubados - que monstro virou.
Era a mulher machucada, no corpo e na alma, anegra, a pobre e a doente - no corpo e na alma.
Ele era o jovem negro - que cai todo dia e que ninguém percebia e ainda hoje ninguém percebe.
Ele era o velho esquecido nos hospitais, nas ruas ou casas - sem filhos, sem amigos, sem histórias que tenham valido a dignidade para os últimos dias.
Ele era o travesti, o gay, a menina macho - contados entre os invertidos.
Ele era o desempregado, desesperado.
Ele era o sertanejo de pele ressecada e de esperança murcha - caída no chão árido, rachado.
Ele era o preso esquecido, condenado por seu crime, pagando o preço da vingança de um povo e do abandono da justiça, anos sob a cadeia de ferro fedida e o resto dos dias na masmorra do preconceito.
Ele era o indígena, bicho estranho ao "homem desenvolvido", preguiçoso, de hábitos vencidos, universo ultrapassado.
Ele era o carola religioso, o ateu intolerante, a bruxo incompreendida, a macumbeira desprezada e também, o crente ignorado e aquele arrogante.
Ele era o sem terra, o sem teto, o sem pátria, o sem juízo, o sem a força dos sonhos - zumbis na existência dos "normais".
Ele era todas e todos, mas estava sozinho.
E vieram as tropas. Um beijo. Traição. Cordas. Espadas. Gente precipitada querendo fazer justiça com a própria mão. Sangue inocente no chão.
"Vou ferir o pastor e as ovelhas ficarão desorientadas".
E foi assim, que ele resolveu assumir os crimes de toda a humanidade para que no nosso tempo, hoje, tivéssemos a única coisa capaz de cobrir uma multidão de transgressões e também de lançar fora os nossos mais profundos temores: o amor.
Ele se deixou brutalmente ferir para que olhássemos o outro, diferente, e nos tornássemos com ele, um.
Ele se dividiu com toda a humanidade, indistintamente, para que aprendêssemos o poder da partilha.
Ele se permitiu à solidão para que ninguém jamais deixasse de ser parte e vivesse à margem.
E depois daquela longa noite, ainda houve um longo dia de agonia e tudo se consumou.
A Terra foi sacudida. O sol encerrou seu brilho. A lua silenciou sua potência.
Ele se expôs a todos os vexames possíveis e nos perdoou e quando tudo terminou nos disse:
❤️ Apenas amem!
Comentários
Postar um comentário