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Um abraço é uma entrega

Sempre fui uma pessoa muito severa, com o outro, mas profundamente comigo. Não admitia erros.

Que tola!

Em 2001 fui alçada a uma posição no trabalho, pelo qual respondia com relativa competência. Poucos meses, já 2002, e a chefia mudou. Sob uma crise financeira bem grande e no novo perfil de gestão eu não correspondia ao que se desejava e precisava de mim.

Fui tirada da função de um modo muito triste. E foi o modo mesmo. Eu realmente não estava preparada.

O baque na estima, que nunca foi lá essas coisas, foi bem pesado e sofri muito.

Eu chorei copiosamente porque não admitia o fracasso de não ter correspondido à confiança depositada.

Àquela altura eu estava fazendo um curso na área de gestão e administração. Coisas básicas.

Uma das aulas foi sobre ABRAÇAR.
Pense. ABRAÇAR.


Era estranho.

Imagina. Eu não conhecia aquelas pessoas, a não ser das aulas.

A orientadora disse, lembro com uma clareza absurda: Ádila, você precisa sentir o coração da pessoa que você está abraçando.

Isso não tem objetivamente conexão com os os parágrafos anteriores. Mas não sei lembrar dessa história sem esse todo.

Não lembro quase nada do curso. Não esqueço essa experiência.

Eu comecei aprender abraçar ali. Ainda estou aprendendo.

Às vezes traições e medos de entrega nos inibem e só abraçamos a nós mesmos. Nossas convicções, nossas angústias, nossas conjecturas, nosso conhecimento. Viramos frios e até arrogantes. Desconfiados. Confinados em nós.

Perdemos.

O abraço é uma entrega profunda e profundamente curadoura.

A gente abraça na dor e o mundo se reconstrói. É um renascimento espiritual.

A gente abraça na alegria e o mundo se colore, fica cheio de encantos. É como se a maldade nunca o tivesse habitado.

E o abraço nos diz tanto e tão significativamente. É um mistério poderosíssimo.

Em casa não havia muitos abraços na infância. Fico bem feliz quando vejo que todos os meus irmãos e irmãs abraçam bastante seus filhos. Penso que isso é bem transformador.

Mas é como aquela senhora tentava me ensinar. É preciso sentir o coração da outra pessoa. E o abraço é o caminho mais curto para isso.

Estou aprendendo. Hoje adoro um abraço. Acho-o, como diz a canção, o melhor lugar do mundo.

Quão sofridos serão os próximos meses sem abraços, sem o calor do corpo amigo junto ao meu corpo, sem a batida do coração amigo batendo rente no meu coração!

Que ao menos não nos falte o calor da lealdade, o afago do sorriso, a força das palavras.

Corações batendo, juntos, em conexão de almas.

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