Sempre tive certo preconceito com "pessoas felizes". Não acredito na felicidade, assim, como se propaga e nos é vendida.
Acredito no estado de felicidade, por exemplo, que nos invade diante de uma criança sorrindo ou fazendo aquelas perguntas ou argumentações que nos tiram o chão, nos desnudam e nos colocam no lugar da insignificância - o único que nos pertence no final das contas.
Acredito no estado de felicidade que se apodera do nosso olhar frente à delicadeza ou poder incomparável da natureza, em cores, formas, sabores. Ou ainda, nos acordes musicais, na poesia, nos mistérios da lua, no silêncio.
O estado de felicidade nos provoca pensamentos, nos orienta, nos impulsiona a ações mais gentis, mais humanas, nos faz cambaleantes e nos inspira a buscar novo ciclo feliz. Às vezes nos paralisa também.
O estado de felicidade é tão poderoso que parece se eternizar. Mas não creio real essa tal felicidade em sorrisos que não findam, celebrações eternas, graça a perder de vista.
Não se iluda. Não busque isso, eu diria.
Aliás, até acho que a infelicidade nos engrandece. Porque nos melhora. Nos põe no chão.
Eu não sou feliz. Não serei. Mas procurarei viver a felicidade intensamente, quando me ocorrer, em brasa, em força, em profundidade, cultivando-a e saboreando os seus frutos, de tempos em tempos.
É assim, em estado de felicidade cíclica que vou descobrindo, como me provoca continuamente uma amiga, que o que vale mesmo são os instantes apreciados, as mãos que se tocam, o calor dos corpos quando se aproximam, os lábios que se beijam, os olhares trocados em silêncio, as conversas sem controle de tempo, o braço estendido, o abraço firme, a canção, a rima, a luta da causa coletiva que se faz justa, a amizade, os laços do amor fraterno, a cumplicidade, a presença - essa mestra da existência.
Felicidade é desfrutar do poder do agora e sustentar a esperança no depois.
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