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Não acredito na oração

Eu não acredito na oração cuja expressão vocal não seja precedida e sucedida de consistente disposição de ser a expressão vocalizada.

Por que?

A palavra sobre caos iniciou um processo que criou o jardim, um coeso sistema de vida. E a palavra foi-nos dada para continuarmos manifestando aqui, agora e sempre, o poder criativo e criador da fonte de todas as coisas e seres. Mas, a palavra só é ato se envolta no Espírito - o sopro da vida, portanto, sendo dinâmica e dialogal com a existência, demandas, carências, potenciais da existência. Toda ela.

A palavra dissociada do Espírito é verbo acusatório, desagregador, perverso juiz, arma com fim único o assassinato - de sonhos, de esperanças, da existência.

Por isso, todas essas orações agora convocadas por Apóstolos, Bispos, Pastores e um sem número de gentes outras, pelo Brasil e para que o Brasil “seja do Senhor Jesus Cristo”, para mim são apenas palavras soltas, vazias, hipocrisia em sua mais dolorida e mal cheirosa demonstração.

Vocês, horripilantes líderes religiosos, vão à Esplanada e demais pontos simbólicos orar, mas nos seus templos agem vedando os olhos dos membros das congregações. Não lhes ensinam que o Deus da Bíblia fala e se move na História através de mulheres e homens de todas as tribos, raças e nações que se dispõem ao exercício do resgate do jardim, exemplo de sistema de interação social que nos foi dado para construirmos as nossas relações. Todas.

Vocês gritam e nos gritos zombam da Palavra, o Cristo, Verbo que se fez carne e habitou entre nós para nos mostrar que a Sua glória estava (e permanece) no perceber, acolher, agir pelas dores de todos os que sofrem. Todos.

Vocês, horripilantes líderes religiosos, vão à Esplanada e demais pontos simbólicos orar, mas nos seus templos agem amordaçando os lábios dos membros das congregações ao sinal de menor sussurro contra a ditadura da autoridade espiritual, essa falácia, esse engodo, ESSA MENTIRA que vocês criaram para fazerem orgia com os pequenos poderes, sob vestes sacerdotais.

Essas orações são podres e cheiram mal, porque a mentira é assim, podre e cheira mal e esses atos não passam de mentiras.

Mente você que ora pelo Brasil sem corrupção, mas no seu cotidiano faz, desde os jogos das pequenas vantagens até as negociatas, GRANDE PASTOR, BISPO E APÓSTOLO, para “conquistar” mais um canal de rádio e televisão com o objetivo de disseminar o evangelho MENTIROSO da prosperidade, da barganha, do esgotamento das relações comunitárias pela exaltação do indivíduo e da cultura do consumo.

Mente você que ora pelo Brasil unido, mas no seu cotidiano rechaça o diferente, não tem disposição ao diálogo e silencia as mulheres, principalmente, sob a frágil e castradora doutrina patriarcal e nebulosa assepsia sacerdotal

Mente você que ora pelo Brasil novo, mas no seu cotidiano levanta os santos de Deus para serem eleitos e usarem o Estado e as suas ferramentas para favorecerem pautas religiosas e não trabalharem pelas demandas de justiça na sociedade, na mais clara repetição do que há de mais velho no jogo das corruptas e corruptoras ações humanas.

Mentem. Vocês mentem quando oram e fazem grandiosos discursos pela moralidade, mas não denunciam vereadores, deputados, prefeitos, senadores, líderes políticos de todas as esferas - “REPRESENTANTES DO POVO DE DEUS” nas casas públicas que são adúlteros, prostitutos, ladrões, que pervertem o direito e a justiça – desde que continuem a favorecer aos seus interesses. Abutres.

E porque mentem, são mentirosas as suas ações, são mentirosos os seus atos, SÃO MENTIROSAS AS SUAS ORAÇÕES. Esterco.

Imagino, cá na minha mediocridade, que a oração desejada e necessária neste momento, consistiria em humilhação sincera e confissão pública da Igreja através dos seus líderes e conclamação a todos, os congregantes ou não, ao arrependimento da vida de jeitinhos e favores, de todos os usos indevidos da máquina pública ao longo dos anos, da não busca por estudar e por não ensinar sobre política e cidadania, direitos e justiça dentro de todos os salões de cultos em todos os cantos do Brasil.

Imagino, cá na minha mediocridade, que a oração desejada e necessária neste momento, devesse ser um pedido de perdão por disseminar o ódio, a violência, o olho por olho e dente por dente, a palavra dura, a vingança.

Eu não acredito nesse movimento de oração, grito vazio de amor e responsabilidade, que está sendo chamado por gente que não se exercita a enxergar o Verbo que se faz carne e continua habitando entre nós, nas nossas dores, desgraças e desfavores tanto quanto em cada singelo gesto de arrependimento que permitimos ao Espírito produzir em nós.

Acredito na oração chamada AMOR, que não me deixa achar descanso fora da minha responsabilidade pelo próximo e que me renova ao trabalhar pela justiça e que me estimula a semear a paz, cujo frutos são a equidade, o respeito, a tolerância, a harmonia, a colaboração, a entrega pessoal – individual e coletiva – para construir uma sociedade referenciada na dinâmica do jardim.

A oração forte e de poder é aquela que me põe de joelho em contínua busca por denunciar a minha degradação moral, que me alimenta para buscar a transformação pessoal, me põe de pé e dá coragem para denunciar TODA forma de injustiça e me motiva a entregar a vida para servir à minha geração. Nessa oração acredito porque isso não posso fazer de mim. Só, e somente só posso fazê-la, se o Espírito mover meu coração, meus lábios, minhas ações.

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