"Te ver e não te querer
É improvável, é impossível?"
O que tínhamos ali?
- Dois discípulos de Jesus indo em direção a Emaús;
- Uma caminhada envolta nas cenas de uma tragédia (anunciada e cumprida).
Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus chegou perto e começou a caminhar com eles, mas, "alguma coisa não deixou que eles o reconhecessem".
O Cristo, então, sob a nuvem do desconhecimento começa a levantar algumas indagações, que obviamente, não são bem recebidas, afinal, como poderia alguém não saber dos últimos acontecimentos que varreram Jerusalém, provocando expectativas, distúrbios, desavenças e muito choro?
Esperança frustrada. Promessa não compreendida. Corações abalados. Mentes preocupadas.
E eles discorrem ao novo companheiro de viagem tudo o que havia acontecido para em seguida, ser a vez dele, o viajante sem rosto, falar. E ele fala com ênfase e autoridade: "Como vocês demoram para entender e a crer em tudo o que os profetas disseram!".
O dia finda, a estrada acaba, o convite vem: "Fique conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando".
À mesa, o viajante de boa conversa, agora hóspede - embora ainda sem rosto - pega o pão, dá graças a Deus e em seguida o entrega aos discípulos. O inusitado acontece - o rosto se revela, a companhia da longa estrada, o homem de boas palavras, o hóspede inesperado, era o Cristo não percebido. Os olhos se abrem e o Cristo desaparece.
"Não parecia que o nosso coração queimava dentro do peito quando ele nos falava na estrada e explicava as Escrituras Sagradas?" Essa era a indagação, agora feita sob o efeito do espanto, da surpresa, da alegria, do êxtase!
Que bom que eles tiveram a oportunidade de olhar para o Senhor e outra vez o reconhecer.
E que lição nos é deixada!
Aqueles eram homens que conheciam a Lei e os Profetas, as Escrituras Sagradas eram para eles, uma realidade efetiva (mas agora, distante); eles não eram apenas expectadores do ministério do Messias, mas seus discípulos. Apesar disso, a tristeza lhes embotava, a tal ponto, os sentimentos, que no longuíssimo prazo de três dias, eles não tinham mais convicção de ser aquele homem de Nazaré, o Cristo, Messias prometido, como eles declaravam até aquele fatídico julgamento perante Pilatos. Também, em apenas três dias, e por consequência da fragmentação de suas convicções, estes mesmos homens esqueceram o significado e a promessa da ressurreição, tanto que, em razão disso, perderam-se no propósito do que viera Cristo fazer, motivo, inclusive que se tornaria a missão dada a eles para cumprir.
"Aí os olhos deles foram abertos, e eles reconheceram Jesus. Mas ele desapareceu."
UM MILAGRE CHAMADO COMUNHÃO.
No partir e repartir do pão dá-se a manifestação do Cristo, vivo, ressurreto.
A reflexão que me salta desse texto é, talvez, a mais falada nos últimos tempos, exercício tão óbvio e tão difícil de se vivenciar: transformar os atritos relacionais em pontes e conexões para uma comunhão tão genuína que Cristo se torne vivo, visto ressurreto em nós, por nós, diante de nós, porque dizemos que o queremos, que é impossível tÊ-lo diante de nós e não o desejarmos todos os dias, mas ao nos isolarmos e erguermos barreiras relacionais, por questões justificáveis (segundo os nossos sentimentos dizem) - como eram aquelas dos homens no caminho de Emaús, o que fazemos é provar que no fundo, é perfeitamente possível vivermos sem Ele, que a ausência dEle não significa nada para nós, pois nas nossas razões somos suficientes a nós mesmos.
- Que a solidão do caminho de Emaús seja um processo de transformação da nossa mente .
- Que ver o Cristo e não o desejarmos, seja improvável, impossível para nós.
- Que a simples possibilidade de esquecê-Lo, seja profundamente insuportável e nos provoque incríveis dores e a consciência de que o remédio está ao nosso alcance e nos é dado pela reconciliação com o nosso irmão.
- Que não mais nos demoremos a entender e a crer em tudo o que nos foi dito pelo Cristo.
Conhecemos a literatura bíblica e até nos orgulhamos disso, mas alguma coisa nos nossos olhos nos impede de reconhecer Cristo, do verbo na vida.
Congregamos aos domingos (e muitas vezes a semana inteira), como se as nossas idas e vindas aos locais de reuniões da Igreja fossem uma longa romaria (e assim se tornam, muitas vezes), mas Ele permanece fora da nossa vida, não se faz vivo em nós, prova disso é a nossa enorme dificuldade para reconhecer a vida dEle em cada vida ao nosso lado e as temos, apenas, como rostos desconhecidos quando deveria haver um mútuo reconhecimento do Cristo nessa companhia da nossa trajetória, nessa estrada a que damos o nome de vida cristã. (É?).
O resultado não poderia ser outro, senão, nos abatermos na tristeza; perdermos a convicção acerca do Cristo e já não sabermos mais quem Ele é; perdermos a esperança da nossa vocação; perdermos a expectativa de que não há trabalho vão no Senhor; perdermos a certeza de Ele faz todas as coisas novas e dá nova vida ao que a morte solapou.
Que ao se aproximar de nós uma pessoa qualquer (que pode ser a manifestação dele), nós o vejamos de imediato, e o reconheçamos e tenhamos a nossa vida nEle e Ele em nós, através da genuína comunhão, para que aquilo que as nossas razões fragmentam, o Espírito restaure e Ele se alegre em nós e que isso comece já.
[post original: dezembro de 2014]
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