Do alto da Rodoviária.
Sei lá quantas vezes já passei pela Rodoviária do Plano Piloto (e até virei a noite por lá). Sempre, ali, na plataforma superior, sou atraída a um momento de reflexão a partir da visão da Esplanada dos Ministérios.
À esquerda, Teatro Nacional e por trás, CNI, SESI, IEL, Setor Bancário Norte.
À direita, a Rodoviária para o Entorno, Museu Nacional e pouco atrás, Banco Central, Setor Bancário Sul.
E na visão mais à frente há os ministérios dos dois lados e ao fundo o Congresso Nacional.
Bem, tem-se a Praça dos Três Poderes. Eles, os Poderes.
Sob a plataforma, seria exagero dizer, o inferno?
Nos horários de pico, um holocausto zumbi. Gentes cansadas de todas os cantos do DF e do Entorno, desesperadamente correndo no troca-troca de ônibus.
Imperam lixo, bichos roedores, roubos, prostituição, tráfico de drogas, exploração de trabalho infantil, mendicância, subempregos, cultos das mais diversas religiões, trabalhadores de toda ordem, jogatina, negociatas, violência policial, abusos de poder econômico, concentração de riqueza.
Um caldo de misérias e esperanças.
Há um quê de fantasia, jogo de visão.
Ilusionismo olhar o Congresso, os Três Poderes a partir da plataforma superior da rodoviária.
Todos aqueles monumentos me tiram da realidade e me percebo, povo brasileiro, a um passo de acessar os poderes que dirigem o país. A sensação, às vezes, é que basta esticar o braço.
Ledo engano. Desafie-se à caminhada da Rodoviária ao Congresso Nacional, por exemplo, às 14h, sol a pino, sede, seca, asfalto queimando os pés, tanta luminosidade que a ausência de óculos escuros pode comprometer a visão.
Ilusão de deserto. Tão perto e tão longe. Grandioso e inacessível.
Nós elegemos representantes e, no caldo das nossas misérias e emoções manipuláveis, terceirizamos inocentemente ou por desprezo do valor que possui, a nossa cidadania. E assim se faz, tão perto - uma rede social, e-mail, ocupação das ruas. Tão longe - quando as decisões são regidas por outros movimentos. Esses dessas casas todas que estão por trás da Esplanada, os bancos e as centrais industriais e por aqueles outros que quase não aparecem nas fotos, pequeninos na imagem, as ocupações opulentas e "nobres" do DF. Ali destinos são definidos.
E o caldo das nossas misérias e emoções manipuláveis apenas engrossa.
Costumo dizer que Brasília é o melhor retrato do Brasil e a rodoviária é um recorte perfeito disso, quando estamos tão perto do poder e ao mesmo tempo, quase que absolutamente excluídos.
Há que se (re) pensar a cidade e seus guetos; o poder e os seus muros; o cidadão e a cidadania. E se não formos nós, estes cidadãos alijados dos espaços de decisão dos seus destinos, não serão eles, das centrais industriais, dos bancos ou dos "nobres" domínios das cidades que o farão.
O despertar da força precisa acontecer e já, antes que o caldo entorne e não haja conserto às nossas misérias e emoções manipuláveis por se perderem completamente no fogo do desprezo que a nossa existência é concebida por aqueles homens e seus podres poderes, essa regência constante de rumos.
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