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Ela quer da gente é coragem

Sabe aquela partícula de texto pela qual você se apaixona? Aquela que inspira, faz transpirar, que sempre abala as suas estruturas por dizer poderosas verdades?
Acredito que é muito bom que descubramos essa palavras e expressões que falam ou, por vezes, gritam à nossa alma para nos provocar leituras de nós mesmos e do mundo com o qual nos relacionamos ou aquele outro que desprezamos. Eu gosto dessa, do Guimarães (o Rosa): "O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem."
Esse pedacinho está na porta da minha casa para que todos os dias, ao sair, me lembre que é preciso coragem e, todos os dias ao retornar, lembre novamente, é preciso coragem.
O Aurélio define CORAGEM como um substantivo feminino que se apresenta a nós com o significado de 'moral forte perante o perigo, os riscos; bravura, intrepidez.' Ou ainda, 'firmeza de espírito para enfrentar situação emocional de determinadas coisas e até pessoas'.
A figura acima me traz muito desse significado, em imagem e emoção. Um broto que se insurge contra a secura que racha até o solo firme e a ele impõe esfacelamento corajosamente. Lá vai o broto, intrépido, rompendo os limites da sua aparente insignificância para mostrar-se em cor e vida, existência com significado.
Existir com significado para mim, aliás, não é concebível sem:
  • coragem para acreditar e desacreditar de terminadas coisas e até pessoas;
  • coragem para encarar meus erros e não me deixar vencer pelos acertos;
  • Coragem para não ruir frente à necessidade diária de compreender o embrulhar da vida;
  • Coragem para ficar de pé e aceitar que o cair pode não significar o fim - vai depender muito de como o perceber. Poderá até ser, na verdade, finalmente o começo.
É preciso coragem, e ao perceber, como acima pus, o mundo com o qual me relaciono e aquele ou aqueles mundos que desprezo, fica claro que ainda me falta coragem. Muita coragem. Por isso faço questão de voltar ao texto completo (do Guimarães), sempre que possível, e também por isso, não tiro esse pedacinho da minha porta - mesmo quando acho que é brega - porque se já rompi com muita coisa nos últimos anos, tenho ciência de que ainda me faltam outras milhares a serem enfrentadas, decisões a serem tomadas - que só com muita coragem para prosseguir, a partir da concertação interna, diária e necessária.

Esquenta e esfria.
Aperta e afrouxa.
Sossega e desinquieta.
...ela quer da gente é coragem.
A vida é assim.

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