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É assim que eu congrego

Confesso, sinceramente, faço esforço para voltar a me encaixar no sistema religioso tal como fiz a vida inteira. Aquele do tipo congregar várias vezes na semana, cantar músicas "espirituais", chorar, ler a Bíblia com outras pessoas e orar com elas e aí me vejo asfixiando como um peixe fora d'água. É estranho.

Sinto falta das pessoas e careço de oração que me fortaleça a fé para as lutas diárias, que me mantenha consciente de quem eu sou e de quem eu não sou. Mas cada vez menos, consigo enxergar possibilidade de me encaixar em reuniões num templo, dentro de um processo litúrgico normal.

Não, não tem nada a ver com a liturgia e não querê-la, até porque a minha construção pessoal me faz aderir muito facilmente a determinadas formalidades.

A questão é outra e tem a ver com compreensão das coisas, sentido de existência, significado de vocação e exercício dela.

Decidi-me "romper" para me perder com o anseio de me achar, faz pouco mais de dois anos. Foi quando acompanhei dois pastores já bem avançados em dias e bastante experimentados em todo tipo de miséria humana. Eu os vi chorar ante uma desgraça com a qual eu convivia muito mais intensamente que nos últimos quinze meses e depois, quando seguíamos para uma reunião, ao ouvi-los para não me importar com as oposições de lideranças religiosas e que seguisse a vocação, finalmente entendi que, ou ousava romper ou jamais conseguiria compreender um milésimo do significado da minha existência.

[Não tenho qualquer garantia de que conseguirei saber o porquê de estar aqui, mas sigo com mais quietude, agora].

Tem a ver com comunhão e o seu significado, porque eu só posso partir o pão no mesmo prato com aquela pessoa a quem sou capaz de dar meu coração e mostrá-lo como é, sabendo que me corrigirá - se necessário for, me apontará erros, me reconhecerá falhas, me instigará a esticar limites, mas não me acusará, não me defenestrará, não irromperá sobre mim para que eu conceba uma espiritualidade alijada da vocação marginal (assim feita pela religião) que me foi confiada, mesmo quando não a compreender.

Então, se estou em um ajuntamento de pessoas cujo entendimento de culto ao Criador não se expande para o exercício das variadas frentes, conforme consigo perceber na Escritura, eu não tenho comunhão com elas e, portanto, o meu culto é falso e não será agradável aquele a quem o devoto.

Resta assim, continuar a busca por encontros não litúrgicos mas que falam de fé, que demonstram as obras da fé, onde os corações se conectam na oração expressa no serviço e na gratidão de apenas ser, esta é a minha decisão litúrgica e é assim que eu congrego.

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