Faltou-lhe a palavra.
Faltou-lhe verbalizar o que sentia, via, pensava. E, por anos emudeceu.
Havia muita energia e um rigor militar em tudo o que fazia para cumprir as responsabilidades que lhe foram confiadas. Até que, em outro momento, não de repente, mas sob uma ordem de amar, a capacidade de questionar lhe aflorou à mente, novamente.
Uma feroz batalha interior minava lentamente seu rigor e seu fervor para aquelas demandas que se haviam feito sua senhora..
Sobrevivia entre o esforço de aprender a amar, como fora ordenado, e a sufocante e crescente percepção de ter-se tornado uma farsa.
Sim, ao findar as tarefas, inúmeras de cada dia, resistia apenas a sombra da frágil existência de quem vive uma farsa sob o julgo de estar absolutamente comprometida pelo que representa, na farsa.
Uma oração, todos as noites:
Senhor, por favor, ajude-me a descobrir como não ser uma farsa!
Tirar máscaras traz o alívio de respirar sem tampões, mas também a inquietação do não reconhecimento, afinal, quem se lembrará da essência do que se é de verdade quando quase toda a sua identidade era a máscara e os seus limites?
Medo.
Relações construídas com aquela figura ficaram no nível da personagem mascarada ou será possível haver algo de profundo na farsa - como uma amizade nascida a partir do olhar que não pode ser mascarado?
E começam os necessários processos de ruptura.
Dores.
Dores.
Incerteza.
Continuar desnudando-se e perder as garantias de uma máscara congela a espinha.
Ignorar é uma ordem inconsciente.
Aprender a reconhecer hoje a pessoa sem máscara de anos, décadas passadas tem muito mais significado que a previsão que se possa inicialmente fazer. É como se toda uma trajetória escrita estivesse o tempo todo sob pesada nuvem de fumaça e daí, claro, impossível sair sem chamuscar.
Necessário.
Compreender o tempo, as experiências, erros, acertos. Tentar enxergar as motivações e significados é saudável e importante, pois, nenhum esforço é perdido e não há trabalho vão quando se consegue descifrar as motivações e há nelas provas de boas intenções pelo coletivo. No fim, é fundamental não acusar-se das máscaras até percebê-las.
Sabe aquela verdade de não serem considerados os nossos erros do tempo da ignorância? Por mais incrível que possa parecer, quase sempre não nos daremos conta de usarmos máscaras até que elas nos asfixiem, muito embora, antes nos desfigurem.
Libertador.
Ainda que seja misteriosamente pesado viver sem máscaras, pior, certamente, é o constrangimento de, no escuro do quarto, sob o sussurro da consciência, saber-se farsante. Por isso é importante guardar uma alavanca moral para sabermos que entre as dúvidas da farsa e os constrangimentos do desnudar-se há mistérios, há dores, há flores e dissabores, há olhares internos profundos, libertadores, mostrando que o desafio de nos olharmos no espelho da consciência e nos reconhecermos é o que vale nessa existência.
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