O ralo é, normalmente, um lugar de repulsa. O escoadouro da sujeira, a representação de perdas, o lugar escuro e nojento no qual não temos prazer de colocar a mão e, até por isso, inventamos métodos muito mais eficientes para limpá-lo quando necessário, daí não precisamos dar tanta atenção a ele, até que ocorra um entupimento.
Foi pro ralo não é expressão de uma boa coisa.
Mas, e se do ralo vier vida ao invés de por lá a virmos escoar?
Às vezes, em pequenas dobras - invisíveis aos olhos menos atenciosos, ficam depositadas sementes da esperança que jogamos no ralo com a água da nossa sujeira. Vão-se os dias, vem a chuva e a luz de outros dias, quando a esperança nos dá outra lição - além da sua persistência em existir, há vida nos lugares desprezados do mundo, nos esgotos da nossa existência, na escuridão das privações, no apagar das oportunidades, sob as pequenas e escondidas dobras e curvaturas dos sonhos perdidos.
Há vida que não espera muito e já floresce - basta um facho de luz, um pouquinho de terra e algumas gotas de esperança e floresce.
Talvez seja para nos lembrar que dos lugares sobre os quais não pomos os olhos nos surpreendamos com um significado de vida capaz de nos despertar aos pequenos gestos, muito mais poderosos que o estrondar da vaidade.
Minha vida foi pro ralo talvez seja o lugar exato para um vigoroso recomeço a partir da solidão imposta pela necessidade de resistir e, quem sabe, de um tempo de solidão, talvez possamos tirar ricas lições sobre depuração interior, enfrentamento de medos, tomada de posição, determinação por existir a despeito das limitações.
Talvez o ralo não seja tão ruim assim.
Talvez o ralo nos ensine sobre o que realmente importa.
Só não podemos nos esconder nas dobras do ralo.
É preciso emergir dali.
É preciso florescer, novamente.
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