Não sou o que chamam "bem nascida". Mas, sou branca, tenho nível superior (poderia caminhar agora para a segunda graduação, pois fui recentemente aprovada em Ciências Sociais na UnB, porém estou indo - por hora - por outro caminho, retomando minha especializando e depois volto a buscar a UnB novamente, se for o caso.). Ainda sobre formação, meus pais tem ensino médio (o que ainda é uma conquista no Brasil) e três dos meus quatro irmãos tem nível superior (à exceção do mais novo que até agora não quis).
Por que tudo isso? Um post barato de auto-promoção?
Na verdade, escrevo isso para dizer que sou absolutamente privilegiada, embora, repito, não seja "bem nascida". Branca, filha de pais brancos. Meus pais nunca foram e provavelmente nunca serão doutores, mas não só foram alfabetizados, como no Brasil dos anos 70 e 80 chagaram a ser até professores com a formação de Magistério que possuem. Isso é muito significativo. Mas, há uma massa de marginalizados nesse país. Essa massa responde por uma cor, representada no jovem negro da periferia das grandes cidades.
Hoje comecei meu dia bem disposta a usufruí-lo da melhor maneira possível. Feriado, mas não um qualquer. O feriado de aniversário de 55 anos de Brasília, minha cidade do coração que há 20 anos acolheu a minha família e na qual nos estabelecemos e "construímos" as nossas vidas.
Acordei cedo, tomei meu café, li o jornal, peguei a bike e fiz meu pequeno passei pelo Eixão Norte de Brasília. Depois encontrei amigos e fomos para a Ponte JK, almoçamos num dos bons restaurantes da Capital Federal, voltei para casa e descansei um pouco, encontrei a família e fui ver a Orquestra Sinfônica na Torre de TV, no Eixo Monumental. Lá encontrei outros amigos e poxa, estava tudo lindo. Estava.
Lá na Torre de TV presenciei quatro revistas, os famosos "baculejos".
Quem a polícia aborda?
Há um perfil muito específico e o primeiro item é a cor. Das quatro abordagens que aconteceram ao meu lado (e uma à distância quando ainda chegava ao evento) TODOS os rapazes eram negros. Muito estranho. Seguindo o check list dos "baculejáveis": calça jeans e camiseta notadamente sem grife ou de "marca de bandido", boné, shorts taquitel, tênis de marca fuleira ou Nike e Adidas adulterados, adereços de prata.
São jovens da periferia. Sempre aos bandos em eventos dessa natureza: lugar bacana, acessível e de graça.
E por que são abordados?
Tirando o óbvio perfil previamente sacramentado como de "bandido", é que eles andam em pequenos grupos (de quatro ou cinco) ou até mesmo bandos.
Todo jovem anda assim, em bandos.
Para mim a festa acabou na segunda abordagem, porém me obriguei ficar mais um pouco, tempo suficiente para mais dois retratos da hostil e preconceituosa sociedade que criamos.
Alguém dirá que as abordagens são necessárias e importantes e que bom que aconteceram. Eu concordaria, apenas pergunto:
- Por que apenas rapazes negros?
- Por que apenas aqueles que se encaixavam perfeitamente na descrição acima?
- Por que os rapazes brancos e da "bem nascida" classe média brasiliense que estavam se acabando na maconha ao meu lado e por todos os lados não foram, nem uma única vez, abordados?
- Por que as abordagens feitas tem que ser um circo? Não houve resistência, não houve tentativa de fuga ou coisa que pudesse impor mais rigores. Então, o que justifica que se abram "clareiras" no meio do evento, chamando a atenção de centenas para o espetáculo da abordagem com lanterna no rosto dos moços, mãos na cabeça, perguntas aos gritos, etc?
Alguém dirá que sou radical. Outros dirão que não tenho propriedade para tal para tratar do assunto.
Eu digo: essa nossa construção social precisa ser revista.
Eu digo: existe um intenso processo de criminalização da juventude - especialmente a negra da periferia.
Eu digo: é muito fácil falar "quem quer vence" quando você é branco, bem nascido, bem formado.
A sociedade injeta diariamente violência nesses jovens e quer cobrar que eles não reajam. Ora.
A sociedade despreza as suas construções estéticas, suas marcas de afirmação e impõe que se tornem o que outros grupos sociais são, como se seus paramentos não tivessem significado.
A sociedade grita aos quatro cantos que é inclusiva e democrática, mas enxota os diferentes, os fora dos seus padrões.
Saí muito triste do show.
Antes que se precipitem por completo, não, não vou dizer que Brasília é preconceituosa. Não.
O Brasil é preconceituoso e Brasília, nisso também, é apenas mais um fiel retrato do que vamos encontrar de Norte a Sul desse imenso país, com tanta riqueza de toda sorte, mas que despreza seu maior tesouro, sua gente, se não se enquadra no sistema perfeito desenhado por pseudo-elites.
O Brasil é desigual e Brasília, nisso também, é apenas mais um fiel retrato do buraco social que temos e para o qual não temos dado a devida importância, mas ele tem nos engolido, tem gerado verdadeiras guerras urbanas e tem nos roubado oportunidade de nos fazermos uma nação justa e solidária.
Nisso tudo encerro perguntando: afinal, quem são os bandidos? Os moleques de estilo "esquisito" ou os senhores bem formados que assaltam os cofres públicos?
Pergunto mais: quem vocês acham que vai para a prisão comum ao cometer um crime? O menino branco de 16 anos ou o menino negro de 16 anos?
Por que tudo isso? Um post barato de auto-promoção?
Na verdade, escrevo isso para dizer que sou absolutamente privilegiada, embora, repito, não seja "bem nascida". Branca, filha de pais brancos. Meus pais nunca foram e provavelmente nunca serão doutores, mas não só foram alfabetizados, como no Brasil dos anos 70 e 80 chagaram a ser até professores com a formação de Magistério que possuem. Isso é muito significativo. Mas, há uma massa de marginalizados nesse país. Essa massa responde por uma cor, representada no jovem negro da periferia das grandes cidades.
Hoje comecei meu dia bem disposta a usufruí-lo da melhor maneira possível. Feriado, mas não um qualquer. O feriado de aniversário de 55 anos de Brasília, minha cidade do coração que há 20 anos acolheu a minha família e na qual nos estabelecemos e "construímos" as nossas vidas.
Acordei cedo, tomei meu café, li o jornal, peguei a bike e fiz meu pequeno passei pelo Eixão Norte de Brasília. Depois encontrei amigos e fomos para a Ponte JK, almoçamos num dos bons restaurantes da Capital Federal, voltei para casa e descansei um pouco, encontrei a família e fui ver a Orquestra Sinfônica na Torre de TV, no Eixo Monumental. Lá encontrei outros amigos e poxa, estava tudo lindo. Estava.
Lá na Torre de TV presenciei quatro revistas, os famosos "baculejos".
Quem a polícia aborda?
Há um perfil muito específico e o primeiro item é a cor. Das quatro abordagens que aconteceram ao meu lado (e uma à distância quando ainda chegava ao evento) TODOS os rapazes eram negros. Muito estranho. Seguindo o check list dos "baculejáveis": calça jeans e camiseta notadamente sem grife ou de "marca de bandido", boné, shorts taquitel, tênis de marca fuleira ou Nike e Adidas adulterados, adereços de prata.
São jovens da periferia. Sempre aos bandos em eventos dessa natureza: lugar bacana, acessível e de graça.
E por que são abordados?
Tirando o óbvio perfil previamente sacramentado como de "bandido", é que eles andam em pequenos grupos (de quatro ou cinco) ou até mesmo bandos.
Todo jovem anda assim, em bandos.
Para mim a festa acabou na segunda abordagem, porém me obriguei ficar mais um pouco, tempo suficiente para mais dois retratos da hostil e preconceituosa sociedade que criamos.
Alguém dirá que as abordagens são necessárias e importantes e que bom que aconteceram. Eu concordaria, apenas pergunto:
- Por que apenas rapazes negros?
- Por que apenas aqueles que se encaixavam perfeitamente na descrição acima?
- Por que os rapazes brancos e da "bem nascida" classe média brasiliense que estavam se acabando na maconha ao meu lado e por todos os lados não foram, nem uma única vez, abordados?
- Por que as abordagens feitas tem que ser um circo? Não houve resistência, não houve tentativa de fuga ou coisa que pudesse impor mais rigores. Então, o que justifica que se abram "clareiras" no meio do evento, chamando a atenção de centenas para o espetáculo da abordagem com lanterna no rosto dos moços, mãos na cabeça, perguntas aos gritos, etc?
Alguém dirá que sou radical. Outros dirão que não tenho propriedade para tal para tratar do assunto.
Eu digo: essa nossa construção social precisa ser revista.
Eu digo: existe um intenso processo de criminalização da juventude - especialmente a negra da periferia.
Eu digo: é muito fácil falar "quem quer vence" quando você é branco, bem nascido, bem formado.
A sociedade injeta diariamente violência nesses jovens e quer cobrar que eles não reajam. Ora.
A sociedade despreza as suas construções estéticas, suas marcas de afirmação e impõe que se tornem o que outros grupos sociais são, como se seus paramentos não tivessem significado.
A sociedade grita aos quatro cantos que é inclusiva e democrática, mas enxota os diferentes, os fora dos seus padrões.
Saí muito triste do show.
Antes que se precipitem por completo, não, não vou dizer que Brasília é preconceituosa. Não.
O Brasil é preconceituoso e Brasília, nisso também, é apenas mais um fiel retrato do que vamos encontrar de Norte a Sul desse imenso país, com tanta riqueza de toda sorte, mas que despreza seu maior tesouro, sua gente, se não se enquadra no sistema perfeito desenhado por pseudo-elites.
O Brasil é desigual e Brasília, nisso também, é apenas mais um fiel retrato do buraco social que temos e para o qual não temos dado a devida importância, mas ele tem nos engolido, tem gerado verdadeiras guerras urbanas e tem nos roubado oportunidade de nos fazermos uma nação justa e solidária.
Nisso tudo encerro perguntando: afinal, quem são os bandidos? Os moleques de estilo "esquisito" ou os senhores bem formados que assaltam os cofres públicos?
Pergunto mais: quem vocês acham que vai para a prisão comum ao cometer um crime? O menino branco de 16 anos ou o menino negro de 16 anos?
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