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Mistério Perverso


Enquanto espero a resolução de um problema no pc, vou lendo o prefácio escrito pelo Sen. Cristovam Buarque no livro "Crianças do mundo inteiro, uni-vos!", de Dioclécio Campos Júnior, e me deparo com um resumo perfeito de nefasto quadro que nos assenhora no que tange à questão da infância. 

Reflexão que considero importante fazermos. por isso transcrevo aqui, algumas partes do texto "Mistério Perverso", no desejo de que despertemos a tempo de nos permitirmos sensibilizar ao modo e tipo de olhar dispendido à infância.

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"A história é repleta de mistérios do passado que resistem a interpretações e explicações dos historiados hoje. Por exemplo, quem fez as gigantescas esculturas da Ilha de Páscoa? Como foram feitas as pirâmides do Egito? Por que desapareceu a civilização Maia?
No futuro, um dos mistérios a ser enfrentado pelos historiadores será como foi possível a sociedade brasileira desprezar suas crianças, na dimensão do que ocorre ao longo de séculos, especialmente nas últimas décadas.

Os historiadores terão dificuldades em explicar como foi possível uma sociedade economicamente rica, com o 6º PIB do mundo no ano de 2012, no valor de R$ 4,3 trilhões e uma renda per capta de R$ 20 mil por ano não ter sido capaz de cuidar descente e competentemente de suas crianças. Como foi possível ter uma mortalidade infantil de dezesseis por mil nascidos vivos; com mais de 1 milhão de crianças fora da pré-escola, sabendo-se que centenas de milhares de mães são obrigadas a deixar seus filhos sob os cuidados, por exemplo, da irmã de 10 anos de idade, retirada da escola para esse fim. Por que esta rica sociedade ainda tem 3,5 dos seus 50 milhões na idade escolar fora da escola? E aqueles que estão matriculados em sua grande maioria não frequentam, não assistem, não permanecem na escola - apenas 40% terminam o ensino médio e, destes, apenas a metade com um mínimo de qualificação? como foi possível tratar tão desigualmente a infância conforme a renda dos pais; e deixar que, em 20 anos, pelo menos 10 mil crianças tenham sido assassinadas, uma média de quatorze por dia? E cerca de 100 mil sob exploração sexual.

Os historiadores terão dificuldades em explicar a indecência e a estupidez desse abandono sacrificando o maior potencial que uma sociedade dispõe: o seu futuro, sob a forma de sua infância. Alguns historiadores negarão dizendo que isso é lenda, não poderia ser possível; outros darão explicações culturais, o imaginário egoísta e imprevidente da população brasileira; outros se limitarão a dizer que o problema era "natural", como foi a escravidão ao longo de 350 anos, e que, por isso, não havia propostas para resolver o problema.

(...)

Como elas (as crianças) não votam, elas abandonaram as corretas prioridades das políticas públicas voltadas para a infância, preferiram investir nos interesses do imediato, sacrificando crianças e ameaçando o futuro, como se percebe ao olhar ao redor no presente. O Brasil de hoje é o país construído pelas crianças de ontem; e o Brasil de amanhã tem a cara da maneira como hoje tratamos nossas crianças".

Que sejamos capazes de mudar esse modo como tratamos a infância, antes que não tenhamos mais como reverter o total negativo comprometimento do nosso futuro.

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