Os nossos tempos são maus. Neles, a nossa maldade tem encontrado
as mais variadas e inusitadas versões e vou-me permitir resumi-las em uma versão:
violência. Eis ai, para mim, a pior face do mal entre nós.
VIOLÊNCIA. Essa é a palavra
descrita no dicionário Aurélio, como resultado de ato contrário ao direito, à
justiça. Ela é
trágica, em todos os sentidos que possamos converter a esta outra palavra e
ela, hoje, é quase onipresente. Apesar disso, só a enxergamos quando ela
esbarra em nós provocando um susto, uma queda e há ocasiões em que ela é tão
brutal que registra em nós um trauma, com uma perda através de um assassinato,
por exemplo.
E como se saíssemos de um transe, de repente olhamos e vemos
que as coisas, na nossa sociedade, estão muito mal e que é preciso um basta à
violência.
Penso que seja positivo quando há esse movimento de clamor
por um basta diante de um trauma, pois a ação poderia ser outra, a de gerar
mais violência ou entregar-se ao desespero da inércia. De outro lado, porém, o
que me tem chamado a atenção, a partir de alguns acontecimentos na nossa cidade
(e que infelizmente, são a rotina no nosso país continental), é que os
movimentos, quase sempre, se projetam sob a capa do egoísmo, pois só damos
atenção à questão da violência quando nos afeta diretamente, num enganoso julgamento
de que podemos viver sem percebê-la, desde que ela não nos esbarre e se
mantenha à meia distância.
Sabe aquele feio que dá para arrumar e passar bem numa festa
chique? É assim que temos tratado a violência nossa de cada dia. Pois,
senhores, a criança sem escola, o doente sem tratamento médico adequado, o
idoso abandonado, o analfabeto, o sem profissão, o menor infrator, o
desnutrido, o de capacidade intelectual subdesenvolvida, a menina e o menino
sem sonhos, o jovem sem perspectiva de futuro, todos são vítimas da mais brutal
forma de trauma: a violência da desigualdade social, essa ação insana contra o
direito e contra a justiça e sobre a insanidade não se pode ter controle total.
Uma hora há um surto que pode terminar de maneira tenebrosa, e é isso o que tem
acontecido na nossa sociedade.
Violência gera violência. O jargão é batido, mas real. Porém,
o nosso egoísmo nos convenceu de que é mais simples nos trancarmos em
condomínios com segurança armada e em carros blindados com vidros de película
fumê para assim, não vermos a violência que nos cerca, afinal, que podemos nós
fazer para contê-la? Ela é problema do poder público e tais mazelas, tantas
vezes, são até imputadas como falta de atitude desses tais disseminadores da
violência, que poderiam muito bem receber uma personificação (e na prática é
dessa forma) na figura dos pobres, pretos, moradores de favelas e nordestinos.
Até que um dia qualquer, ela ultrapassa a fronteira do lixo e seu odor, da lama
ou da poeira alta, das cercas do subemprego e arrasta na cidade afora, as cadeias do
analfabetismo, vícios e truculência e com o seu barulho ensurdecedor dispara
contra nós e nos deixa tontos.
O problema é que as medidas de contenção da violência são
socá-la e empurrá-la de volta aos “seus guetos”, mas chega uma hora em que toda
a pressão usada para mantê-la contida sob o peso da desigualdade, se transforma
numa força incontrolável a impulsioná-la contra a sociedade que a gerou. É isso
o que estamos vivendo nesse momento.
É dolorido ver um moço de 29 anos assassinado (assim como é em relação a todos os outros jovens que caem sangrando, Brasil afora) no auge da sua
força física e energia, e que pesar, pensar em tudo o que não viverá e na falta
que fará.
- Mas vamos estender a nossa dor também à criança da favela, violentada com a má alimentação, com a escola que não tem vagas para ela, violentada pela sociedade que protesta contra a sua creche porque o espaço serve melhor à sociedade se for um clube de vizinhança.
- Vamos estender a nossa dor, também ao menor que sobreviu à violência da infância, mas que possivelmente sucumbirá à violência do choque com a pregação de que todos podem consumir, menos ele que é pobre e que por valer pelo que tem e não tendo nada, será deixado à margem da sociedade que o vê como uma marginal e nisso ele se tornou.
- Vamos estender a nossa dor, também ao jovem de má formação, e herói, pois sobreviveu as outras fases de violência absurda e não caiu, mas também não viveu - apenas se arrasta nos dias, sem sonhos que o guiem e norteiem seus passos. É um andarilho na vida, sua madrasta má.
- Vamos estender a nossa dor ao pai que vive a humilhação do subemprego, que mal o alimenta e que o condena a condenar sua família ao mesmo ciclo de violência que roubou a sua juventude.
- Vamos estender a nossa dor à mulher violentada física e mentalmente pelo desprezo às suas capacidades além da procriação – que, aliás, tornou-se, também, violência, na medida em que ela se vê apenas como uma máquina de gerar marginalizados e não tem brilho na sua existência.
Penso que a violência nunca será de todo resolvida, pois
infelizmente, ela é própria do ser humano. Tão pouco ela pode ser abafada, pois
a mesma proporção de força que usarmos para calá-la, será usada para que nos
alcance nos e nos cale, muitas vezes com a morte.
O que fazer? Estamos condenados à selvageria da desumanidade?
Creio que não. Penso que o caminho contra a violência esteja em diminuirmos a
força que a tira de dentro de nós - monstro interior de cada ser
humano - e a traz para fora, fazendo-se registro e presença social na
coletividade.
Voltamos, então, ao começo: A VIOLÊNCIA É RESULTADO DE ATO
CONTRÁRIO AO DIREITO, À JUSTIÇA. Eis aqui o que precisamos entender – quanto mais
violações de direitos houver na nossa sociedade, mais a violência se achegará
às nossas cercas; quanto mais injustiças a nossa sociedade produzir, mais força
a violência ganhará e se perceberá impulsionada ao sentido contrário. É um
enfretamento de forças de violência iguais, apenas travestidas de maneiras
diferentes e quem bateu o martelo nesse julgamento foi o nosso egoísmo. Assim,
enquanto não rompemos esse contrato com o nosso egoísmo, continuaremos reféns
da violência e seus tentáculos, necessariamente, nos tocarão com desrespeito,
descortesia, roubos, assaltos, estupros, sequestros, assassinatos.
Nós somos produtos da sociedade que criamos, ou será que não
percebemos que ao nos eximirmos dos nossos deveres de cidadãos estamos, também,
desprezando os nossos direitos e transferindo a alguns poucos sujeitos, a
responsabilidade de traçar o nosso destino? E eles o fazem da mesma forma que
temos feito: de modo egoísta, condenando a nossa vida em sociedade ao caos em
que nos vemos.
- Essa sociedade violenta e insana que nos perturba, é resultado do modo como escolhemos viver: cada um cuidando apenas de si e devotando tão somente ao seu esforço, os resultados das suas conquistas.
- Essa sociedade violenta e insana que nos perturba, é resultado da nossa indisposição para romper com os preconceitos que nos foram implantados na mente os quais nos impedem de compreender que a vida precisa girar em tono do bem comum e que todas as nossas forças precisam ser direcionadas para a criação de uma sociedade que ande de mãos dadas com o direito e a justiça.
A violência nossa de cada dia, não pode ser de todo vencida,
não enquanto a nossa natureza for corrupta, mas ela pode ser domesticada para que
consigamos vislumbrar a paz e enfim, vencer a nós mesmos para que a paz seja a
nossa cidade, a nossa habitação.
Que o direito e a justiça sejam os alicerces da nossa sociedade e assim, teremos paz.
Parabéns, um ótimo texto. Abs
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