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De longe somos mais interessantes (?)

"A distância iguala tudo". 

É quando se está perto que as diferenças e desigualdades se tornam visíveis e passam a incomodar e ai, ou nos empurram para longe outra vez, ou nos movem para  a construção coletiva rumo a um novo caminho.

A frase de abertura desse artigo foi capturada de um filme, o documentário "Lixo Extraordinário" e ela é dita por Vik Muniz. Desde que a ouvi, tenho tentado não esquecê-la, mas permitir que o incômodo que ela me provoca, se reproduza num processo de transformação interior frente ao que há dentro dela, segundo o meu ponto de vista.

É engraçado que nós sabemos que nos é impossível uma vida plenamente saudável (física, emocional e espiritual) se escolhemos o caminho do isolamento ou como queremos crer, do distanciamento. 

À distância vemos uma rosa, não seu espinho; 
À distância vemos um rio, não o seu odor;
À distância vemos um lixão, não a degradação que o habita;
À distância vemos o nosso Congresso Nacional, não os detalhes do seu funcionamento;
À distância vemos a favela, não sentimos as suas dores.

Os exemplos poderiam ser inúmeros. Fato é que à distância, até as coisas mais rudes e grotescas, podem tomar ares de belas ou no mínimo de indiferentes. E nós, apreciamos a indiferença, por isso, é tão complicado desenvolvermos relacionamentos reais com pessoas reais. Ou queremos nos relacionar de maneira irreal, ou seja, superficialmente, ou queremos relações impossíveis, com quem não nos é possível conviver. De uma maneira ou de outra, no fundo o que queremos é distância ou o que não queremos é comprometimento. Sim, porque a distância implica em descompromisso.

À distância você pode, sem peso imediato da consciência, fingir que não viu, não ouviu, não sentiu e assim, traçar o caminho do descompromisso com a mudança de cenários, que na maioria das vezes, diz respeito a mudanças, primeiro, dentro de nós e ai, nos distanciamos na nossa própria consciência, e ela nos distancia do outro, e isso nos distancia do Pai.

Agora, quando eu olho o Gênesis, só para tomar um exemplo, vejo o Eterno perguntando a Caim, sobre o seu irmão: "Onde está o seu irmão?". A resposta, claro, era de alguém que queria se manter distante, "Acaso sou eu o guarda do meu irmão?" (Gn. 4:9) e nem adianta querermos recriminar Caim, porque é essa a resposta que as nossas ações, palavras e sentimentos reproduzem no nosso dia-a-dia, quando nos distanciamos. E por que o fazemos?

- Porque ao nos aproximarmos enxergamos que as nossas relações estão fragilizadas por nossa própria culpa, pois tanto nós quanto aqueles com os quais nos propomos a uma relação, estamos querendo defender uma razão de ser ou fazer, agir e nisso se manifestam a nossa incapacidade de olhar o outro maior que nós, a nossa indisposição de assumir que o nosso sentimento, embora queiramos provar o contrário, ainda não é o daquele a quem nós prestamos juramento de serviço e, ao invés de nos dobrarmos, queremos definir nossos rumos numa queda de braço.

- Porque nós educamos os nossos olhos a perceberem beleza apenas na aparência e não na essência das pessoas e ai, ao nos aproximarmos delas, nos deparamos com a realidade de que a aparência, na verdade, só é bela de longe e a essência, realmente bela, para ser apreciada, precisaremos antes, encarar a feiura da trajetória individual, e isso significa entrar na vida do outro e permiti-lo entrar na nossa e ai, ele descobrirá a nosso própria feiura. Então, não. É melhor que se mantenha distância.

E a distância ganha ares de glamour, de discrição e de respeito, quando na verdade, ela é a mais densa obra das trevas. 

Na distância se escondem os nossos piores sentimentos, os nossos mais sujos pensamentos, as doenças da nossa alma e a debilidade do nosso espírito. Sob a espessa nuvem da distância está escondida a nossa velha natureza pecaminosa que nos arrasta à destruição do isolamento, mesmo em meio às multidões, que nos impede de criar vínculos que curam, que nos impede da vida em comunidade, e assim, nos impede de manifestar o Eterno. Nos contemos com a sua sombra, pois à distância, é apenas isso que temos. Privamo-nos do toque, do cheiro, da visão ampla, do afago, do calor, porque para tê-los, precisamos, muitas vezes, encarar os conflitos, as diferenças, os atritos, os fatos que nos agridem e nos desagradam. Então, escolhemos a distância e nela, a superficialidade. 

Será que realmente ignoramos que o Eterno, apenas se manifesta no que é real e próximo? A quem estamos enganando, no final das contas? Ou a quem estamos querendo enganar?

A reflexão a que me submeto é, se o Eterno diz-nos, "as minhas mãos não estou encolhidas para que não possa salvar", e outra vez, "quem me dera poder animá-los, como faz a galinha aos seus pintinhos", isso me ensina da necessidade de que eu preciso mergulhar no conflito para acessar o belo que há no meu irmão; eu preciso encarar os atritos, ciente de que deles (nEle), sairemos aperfeiçoados; eu preciso me dispor a perceber nas diferenças, a complexidade e perfeição da diversidade do Corpo e perceber-me parte dele.

Afinal, de longe somos mais interessantes? 

Digo que não. De longe não vemos os detalhes e é neles que habita a razão de tudo. É a proximidade que revela o mais precioso de cada um nós, o aroma que exala dos nossos sentimentos, quem somos e o que nos motiva. Portanto, se queremos viver a vida que o Eterno nos propõem, é urgente que façamos pontes em direção ao nosso próximo e as atravessemos, é urgente que derrubemos os muros da separação e estendamos a mão para o toque, talvez, rude no começo, mais que nos vai curar ao transmitir o amor e transformar a intimidade na ferramenta de contágio da essência que torna perfeitas todas as coisas, o amor, o Eterno entre os homens imperfeitos.

Até breve.

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